A cada manhã, antes que o dia se levantasse, toda tribo ia se reunir junto ao rio, de onde o horizonte se mostrava mais claramente sobre a floresta. Ah Ngang, o ancião, chegava por último. Ele se concentrava longamente, pronunciava algumas fórmulas mágicas pouco audíveis, rostos e mãos se colocavam num longo e penoso diálogo com o horizonte. Ao final do debate, o horizonte cedia e o sol, por vezes abóbora amarela, por vezes grande fruto vermelho, subia por detrás das árvores. Era o nascimento do novo sol, que tinha um dia para viver antes de recair, não se via muito bem como, do outro lado da floresta. Aplausos saudavam sempre a performance de Ah Ngang e a tribo velava-o ternamente.
Como ele se tornava velho, empreendeu a iniciação de um rapaz, Sayub, para que, na ocasião de sua morte, a tribo não ficasse sem sol. Ele lhe ensinou as fórmulas e os gestos, com interdição de se servir delas enquanto ele ainda estivesse vivo.
Mas, quando ele estava mesmo à beira da morte, pediu aos outros que o deixassem só com Sayub, a fim de revelar-lhe o último segredo. "Não diga jamais a ninguém, salvo àquele que te sucederá quando sua hora chegar, mas o sol se levanta sozinho. Não me julgue mal, não é para ganhar uma vida protegida no seio da tribo que eu perpetuei uma mentira que nossos ancestrais transmitiram desde os primeiros tempos. Mas a tribo ama que seja assim, eles são menos tristes assim. A sua vez agora." E ele morreu.
Sayub não disse nada para não afligir o velho homem, mas ele sabia da história. Ele era curioso por natureza e o acaso de um encontro com um branco lhe fez aprender um certo número de coisas sobre o mundo para além das florestas. Não a ponto de desmascarar a mentira de Ah Ngang, de quem ele tinha um pouco de medo, mas o suficiente para se fazer, há tempos, uma promessa.
Esta promessa, ele cumpriu a partir da manhã seguinte. "Habitantes da tribo", disse ele, "nós amávamos e respeitávamos Ah Ngang, mas ele era o passado. Com ele morreu uma certa ideia poética do mundo, saudamo-la e sigamos corajosamente adiante: nossa tribo não pode ficar eternamente de fora de um progresso que tem tanto a nos oferecer. Aprendam enfim a verdade: o sol se levanta sozinho." Todo mundo o olhou com temor e depois eles contemplaram o horizonte. Sayub não pronunciou nenhuma fórmula, nem se entregou a nenhuma mímica. E o sol não se levantou. Nem este dia. Nem no dia seguinte. Nem nunca mais.
(Chris Marker, 2002, In Nouvelles du Doppelwelt)
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